Publicado por: guyveloso | 10 de agosto de 2010

Pingyao International Photography Festival (PIP) – China

“Um Certo Brasil”. Exposição coletiva

Curadoria Angela Magalhães e Nadja Peregrino. Co-curadoria Michael Ende

www.pipfestival.com/pysy/dzjj1.shtm

http://www.revistafotografia.com.br/foto-grafia-4/

SOB A INCERTEZA DO VISÍVEL

De início é preciso dizer que não temos qualquer pretensão de traçar com a mostra Uncertain Brasil uma visão geral do país.  Centramos nossa proposta em enunciar os vestígios de sua presença como algo diretamente ligado com o sentido da obra de cada artista. Não pelos temas deixarem de ser o que são – enquanto marcas da história de nossa cultura – mas porque põem em pauta uma expressão poética e um sentimento de ligação da realidade sócio-cultural com um estado de inquietude. Sob essa perspectiva, nos sentimos oscilar entre o equilíbrio precário de uma dimensão palpável e uma configuração imaginada no corpo da arte.

Isso não implica, porém, que o artista passe ao largo do contexto de nossa cultura. O que nos propicia relacionar o Brasil, um país com enorme extensão territorial, não como um ponto geográfico distanciado, livre de qualquer conexão. É dele que aflora o sentido da obra imbuída da subjetividade que aflora sem as amarras do foco nacionalista. Assim, a mirada dos artistas brasileiros ultrapassa o olhar turístico impregnado de aspectos exóticos bem peculiares àqueles que querem simplesmente consumir culturas alheias. Samba, carnaval e futebol, por exemplo, são “logomarcas” do Brasil, alicerces incontestáveis de uma visão parcial e difusa da nossa cultura. Aqui, se pode imaginar o papel do artista como produtor de conhecimento através da confluência de uma vontade de saber pela lente de uma imaginação simbolizadora. Ou seja, diante do que é exaustivamente dito, é a arte que gera um caleidoscópio de significados erráticos plenos de ambigüidades e contradições.

Artistas como Rosa Gauditano, Elza Lima e Alexandre Sequeira colocam a cultura regional amazônica como principal fulcro de suas obras. Gauditano reafirma e traduz a iconografia projetada da região – o habitat das nações indígenas, a pintura corporal ali praticada e os ritos de iniciação – enquanto Elza Lima põe em foco dezesseis comunidades afro-brasileiras, descendentes dos escravos fugidios do século XIX, que vivem às margens do extenso Rio Trombetas, um dos maiores afluentes do Rio Amazonas. Já Sequeira estabelece relações estreitas com a comunidade do vilarejo de Nazaré do Mocajuba, localizado a 150 km de Belém, cidade da Amazônia brasileira. Produz uma série de imagens fotográficas impressas sobre os próprios pertences dos moradores: objetos cotidianos como redes, lençóis, mosquiteiros.  Do viés do seu trabalho surge uma dimensão afetiva baseada na confiança e no respeito mútuo.

Luiz Santos também se sintoniza com Sequeira em direção à uma fotografia compartilhada. Trilhando outro universo, Santos produz em parceria com o lambe-lambe Tonho Ceará e com o foto-pintor Mestre Júlio – diversos retratos que permitem agregar os códigos visuais da chamada fotografia popular ao cenário da arte contemporânea. Na verdade, os processos artesanais, que dão corpo aos retratos aqui expostos, se diferenciam da tecnologia digital que, em sua rapidez e facilidade, os superam e substituem num movimento contínuo e ininterrupto. No caso de João Urban, esse inventário memorialístico é estendido para o resgate da cultura polonesa no Paraná, um estado situado na região sul do Brasil. Ao mergulhar em suas origens, Urban traz para suas imagens a força indicial da fotografia colorida: uma espécie de irradiação que se projeta sobre os signos arquitetônicos e religiosos ainda mantidos pelos descendentes dos poloneses.

Outro artista que parte de sua própria vivência é Tiago Santana. Suas fotos estão entrelaçadas com o antológico livro Vidas Secas (1930) de Graciliano Ramos e a paisagem árida do sertão nordestino.  Empenhado em registrar esse canto do mundo de forma vívida, Tiago percorre sua longa extensão de Alagoas a Pernambuco, num trajeto em que não somente acentua os elementos característicos da cultura local – a casa de pau a pique, os animais, os cactos – como também instaura uma dinâmica concretizada pelo estilo fotográfico espontâneo e vibrante.

Leonardo Wen Pedro Lobo e Iatã Cannabrava situam-se num mundo diametralmente oposto ao de Tiago. Somos agora levados a espreitar não apenas o sertão, com sua inquietante placidez, mas também a amplitude espacial e a face convulsiva das metrópoles brasileiras. Assim, Leonardo capta com desolação os vestígios da arquitetura planejada de Brasília, enquanto que Pedro mostra o amontoado de pequenas casas, dispostas de modo desordenado e caótico, nas favelas do Rio de Janeiro. Já Cannabrava delineia uma faceta menos visível da cidade de São Paulo, a maior megalópole da América Latina.  De suas fotos emanam a pulsão do cotidiano da periferia em seus múltiplos contornos: a gravidez precoce das meninas adolescentes, a precariedade das moradias, as manifestações de alegria traduzidas no sorriso largo dos personagens que retrata. Por outra via, Joaquim Paiva expõe a topografia do céu de Brasília como mapa de devaneio.  É como se olhássemos para uma cidade que, projetada no horizonte, não inspira riscos nem inquietude, porque se encontra envolvida por um ponto de vista mais metafísico.

Tal como Paiva, o fotógrafo Luiz Frota segue uma linha oblíqua para representar  a paixão do brasileiro pelo futebol.   Não vemos em seus registros os grandes estádios cheios de torcedores, nem muito menos imagens dos jogadores – heróis em campo, que pontuam com excesso a mídia globalizada. Ao contrário. O futebol aparece ancorado nas cenas corriqueiras captadas nos espaços improvisados de um viaduto em plena São Paulo, bem como na ocupação de uma praia no Maranhão. São anônimos, anti-heróis, que trazem o futebol entranhado na existência como fonte de prazer lúdico e sonho de redenção de uma vida de pobreza.  Guy Veloso também se soma a Frota ao colocar em foco a religiosidade como um tema visceral para a cultura brasileira. O mosaico conformado pelo artista está impregnado pelo misticismo e pela poética ritualística. Há uma ambigüidade de sentido na representação dos homens encapuzados quando comparados aos violentos Ku-Klux-Klan, ao emblemático Chador das mulheres muçulmanas e aos seqüestradores contemporâneos que evocam o clima de insegurança tão presente no mundo globalizado. Além disto, Guy corrobora o clima misterioso de suas fotos através da linguagem em preto e branco, que reforça o caráter circunspecto das vestes e da expressão gestual dos penitentes.

Por fim, o caráter orgiástico da mostra Uncertain Brasil foi ressaltado pelo fotógrafo alemão-carioca Michael Ende em seu extenso ensaio Rio by night, onde enfoca os bailes Funk e a vida noturna dos travestis no Rio de Janeiro. De origem norte-americana, o funk se traduz pelo ritmo sincopado, e pelas frases e palavras de ordem cantadas pelos funkeiros, que exploram a violência, o consumo das drogas, o tráfico de armas, o sexo livre e o cotidiano das favelas. É como diria o jornalista Zuenir Ventura o reflexo de uma cidade partida com territórios geográficos quase intocados pelo poder público, que começa a intervir amiúde com políticas socializantes.  No corajoso ensaio de Ende há uma espécie de transbordamento que aflora através do erotismo perturbador e transgressivo identificado nos gestos ousados, na exposição e transformação dos corpos desnudos, com a subversão de parâmetros comportamentais. São visões de um certo Brasil atravessadas pela ambigüidade entre o que o artista vê, cria e imagina – sinais do enigma da visibilidade.

Angela Magalhães/Nadja Fonseca Peregrino

Curadoras associadas – 2010

MATÉRIA JORNAL O LIBERAL http://www.orm.com.br/oliberal/interna/default.asp?modulo=248&codigo=490813

Imagens do Brasil na China Edição de 20/09/2010  
A exposição “Um certo Brasil” reúne material de doze profissionais brasileiros, entre eles três paraenses Alexandra Cavalcanti
Da RedaçãoParte da cultura nacional captada pelas lentes de fotógrafos brasileiros está em exposição pela primeira vez na Pingyao International Photography Festival (PIP), festival de fotografia que acontece anualmente na China. O grupo é formado por doze profissionais, entre eles, os paraenses Guy Veloso, Elza Lima e Alexandre Sequeira, com trabalhos que abordam temas como o homem e a paisagem amazônica e o misticismo religioso. A produção nacional está sintetizada na mostra “Um Certo Brasil”, com curadoria de Ângela Magalhães e Nadja Peregrino. Nas imagens, a arquitetura dos aglomerados urbanos, a explosão populacional brasileira, os singelos interiores das casas rurais, a singular paisagem da região Amazônica, além da religiosidade e seus simbolismos. Do acervo do paraense Guy Veloso foram pinçadas nove imagens do ensaio “Entre a Fé e a Febre”, que mostra a busca frenética pelo sagrado em diversas manifestações religiosas pelo interior do país, especialmente no Nordeste. O projeto busca desvendar a tênue linha divisória entre a religiosidade e o fanatismo. Uma delas mostra duas mulheres do povoado quilombola de Gentil, localizado na cidade de Nossa Senhora da Glória, no interior de Sergipe, antes de integrarem uma romaria religiosa tradicional do lugar. “Essa é uma preparação secreta, porque elas participam com o rosto coberto por mortalhas, como se fossem muçulmanas. Depois de muita insistência, consegui fotografá-las”, conta o fotógrafo.

A paixão do artista pelo tema surgiu em 1989, durante a procissão do Círio de Nazaré e se solidificou com os estudos feitos na segunda metade dos anos 90 no interior do Pará e, especialmente, com o início de viagens ao Nordeste, onde acompanhou as romarias de Juazeiro do Norte, Bom Jesus da Lapa, Canindé (2002) entre outras.

As imagens em preto e branco, feitas com máquina analógica, revelam outra preferência do fotógrafo. “É uma opção estética. Uso equipamento analógico porque até agora não consegui resultados iguais no digital. Pode ser que daqui a uma semana lancem uma máquina que me dê cores e contrastes igualmente fortes, mas que, agora, só os bons e velhos filmes diapositivos (slides) me dão”, justifica.


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